A casa parecia sufocada pelas árvores
enormes que encobriam o telhado, pelo mato alto que não deixava passagem e pelo
cheiro forte e fétido que exalava. Os gatos, entretanto, não se importavam
entrando e saído, subindo e descendo, miando e ronronando, se espreguiçando e
bocejando como se vivessem em um palacete.
O certo é que não eram os únicos
moradores daquela casa. Os outros habitantes raramente eram vistos e quando
apareciam estavam mortos, só os cadáveres espalhados pela sala, pelos quartos,
pelo jardim.
A dona da casa, uma jovem solitária, mas não tão solitária
assim. Muitos animais viviam por ali. Contudo os gatos eram sua companhia
preferida. Saia todas as manhãs bem cedo, não se sabe para onde. Voltava ao
entardecer e passava até altas horas acariciando os felinos e contando e
recolhendo os cadáveres. A mais nada se dedicava. De tal modo que a casa permanecia
muito suja, camadas e camadas de pó sobre o chão, acumuladas sobre os móveis,
cutão embolado nos cantos. Traças penduradas em seus casulos pelo teto. Aranhas
desciam e subiam pelas paredes com suas teias espalhadas pelos armários, embaixo
dos móveis. Lagartixas tranquilas saiam de trás dos quadros e das cortinas
empoeiradas. Longas trilhas de formigas trabalhavam livres pela cozinha, subiam
na pia repleta de louça suja, no fogão grudento, ao redor da geladeira e por
vezes atacavam a ração dos felinos. Mosquitinhos se refestelavam com as bananas
apodrecidas em uma espécie de fruteira.
A jovem depois de, cuidadosamente, um a um, acariciar o pelo
de seus animais preferidos recolhia e contava os cadáveres: - Hoje foram três. Se todos os dias os
menos três forem mortos, por semana serão vinte e um, por mês noventa, e por
ano dois mil oitocentos e noventa e cinco a menos no planeta.
Ela tinha ódio desses seres. Sentia um regozijo com a morte
deles. Cavou um buraco enorme no fundo do quintal onde os enterrava
diariamente.
Uma certa noite
ela não dormiu tamanha a euforia que ficou com a quantidade enorme de cadáveres
recolhidos.
Como morriam? Ah! Preciso dizer! E os assassinos? Eram seus
gatos. Depois de desferirem várias patadas deixavam os ali no local do crime,
como um troféu e um presente de gratidão.
A jovem encontrava os presentes de seus felinos depois de uma
espécie de caça ao tesouro. Um
tesouro dentro de uma gaveta esquecida aberta, outro embaixo da geladeira, outro
atrás das plantas...
Estes seres não se deixavam morrer assim tão fácil. Possuem
táticas, se fingem de mortos, ficam paralisados esperando que o inimigo se
afaste. Os gatos, esperteza ancestral, atentos, ao mínimo movimento atacam
novamente até que uma gosma branca confirme o óbito.
Maricy Montenegro
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